O blog do canal João Marcelo recém publicou o seguinte artigo reportando as mais recentes descobertas sobre o misterioso dispositivo de Anticítera (Antikythera). Veja:
Um modelo digital revelou um planetário complexo na face do antigo dispositivo. “A menos que seja do espaço sideral, temos que encontrar uma maneira para explicar como os gregos teriam feito isso”, dizem os pesquisadores.
No início dos anos 1900, mergulhadores que procuravam esponjas na costa de Anticítera, uma ilha grega no Mar Egeu, descobriram um naufrágio da era romana que continha um artefato destinado a alterar dramaticamente nossa compreensão do Mundo Antigo.
Conhecido como Máquina de Anticítera, o objeto é uma calculadora astronômica altamente sofisticada que data de mais de 2.000 anos. Desde sua recuperação do naufrágio em 1901, gerações de pesquisadores se maravilharam com sua complexidade impressionante e funcionamento inescrutável, ganhando a reputação de ser o primeiro computador analógico conhecido do mundo.
As engrenagens e painéis do dispositivo demonstravam cumulativamente os movimentos dos planetas e do Sol, as fases do calendário lunar, a posição das constelações do Zodíaco e até mesmo a época de eventos atléticos, como os antigos Jogos Olímpicos. O dispositivo também reflete uma ideia muito antiga do cosmos, com a Terra no centro.
Embora alguns dos mistérios da calculadora tenham sido solucionados no século passado, os cientistas da Equipe de Pesquisa de Anticítera, da University College London (UCL), apresentam, pela primeira vez, “um novo modelo radical que corresponde a todos os dados e culmina em uma exibição elegante do antigo cosmos grego”, de acordo com um estudo publicado na sexta-feira na Scientific Reports.
Liderada por Tony Freeth, um engenheiro mecânico da UCL e um dos maiores especialistas mundiais no dispositivo, a equipe interdisciplinar chamou o artefato de “um antigo compêndio astronômico grego de ambição impressionante” e “uma bela concepção, traduzida por uma engenharia soberba em um dispositivo genial”, no estudo.
“É um dispositivo muito especial”, disse Adam Wojcik, cientista de materiais da UCL e coautor do estudo, por telefone. “É tão fora deste mundo, dado o que sabemos, ou sabíamos, sobre a tecnologia contemporânea dos antigos gregos. É único e não houve nada mais que remotamente se aproximou dele por séculos, ou talvez um milênio depois.”
“No entanto, ele existe e todos os estudos apontam para o fato de que é dos antigos gregos”, acrescentou Wojcik, que é fascinado pelo artefato desde criança. “Não há dúvida sobre isso e só temos que aceitar que havia muito sobre o que eles podiam fazer que simplesmente não sabemos e não podemos compreender. O dispositivo é uma janela para isso.”
Compreender os mecanismos da Máquina de Anticítera tem sido um desafio de longa data para os cientistas, porque apenas um terço do artefato sobreviveu ao seu sepultamento de vários milênios sob as ondas do Mediterrâneo. Os restos da calculadora incluem 82 fragmentos, alguns dos quais contêm engrenagens complexas e inscrições outrora ocultas, que foram encaixadas entre as faces frontal e posterior do painel durante a era passada em que o artefato estava totalmente intacto.
Conforme novas técnicas experimentais surgiram, as equipes de pesquisa foram capazes de explicar o propósito e a dinâmica da face posterior da Máquina de Anticítera, que inclui um sistema de previsões de eclipses. Em particular, o escaneamento de imagens de superfície e tomografia de raios-X de alta resolução no artefato, descrito em um estudo de 2006 também liderado por Freeth, revelou dezenas de inscrições nunca antes vistas que, assim esperam, sejam instruções de como usar o dispositivo.
Agora, Freeth e seus colegas acreditam que resolveram a peça que faltava no quebra-cabeça: as engrenagens complicadas subjacentes ao painel frontal “Cosmos” da calculadora. Praticamente nada dessa seção frontal sobreviveu e “nenhuma reconstrução anterior chegou perto de corresponder aos dados” que existem, de acordo com o estudo.
O novo artigo “sintetizou o trabalho de outras pessoas e lidou com todas as pontas soltas e as nuances desconfortáveis que outras pessoas simplesmente ignoraram”, disse Wojcik. “Por exemplo, há certas características nas partes sobreviventes – buracos e pilares e coisas assim – que as pessoas disseram: ‘Bem, vamos simplesmente ignorar isso em nossa explicação. Deve haver um uso para isso, mas não sabemos o que é, então vamos apenas ignorar’.”
“Efetivamente, o que fizemos foi não ignorar nada”, acrescentou. “Então, os enigmáticos pilares e buracos, de repente, agora fazem sentido em nossa solução. Tudo se encaixa nas evidências das inscrições.”
As inscrições do estudo de 2006 sugerem que o painel Cosmos que faltava era um conjunto móvel de anéis traçando o movimento de Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno – cada um representado por uma pequena gema – junto com a trajetória do Sol, as fases da Lua e as posições das constelações do Zodíaco. Além de estudar essas inscrições, os pesquisadores criaram simulações de computador e réplicas parciais do dispositivo para testar seu novo modelo.
Uma das maiores dicas surgiu da análise realizada em 2016, que revelou inscrições na frente que incluía dois valores, 462 anos e 442 anos, que os criadores do dispositivo associaram a Vênus e Saturno. Os pesquisadores conseguiram identificar uma possível fonte para esses números, derivada da obra do filósofo pré-socrático Parmênides.
Esses valores são cálculos gregos antigos dos períodos sinódicos dos planetas, o que significa que eles representam o tempo que leva para os planetas retornarem à mesma posição aparente no céu visto da Terra, de acordo com o estudo.
Os ciclos foram complicados pela antiga crença de que a Terra estava no centro do sistema solar. Esse viés geocêntrico exigiu a invenção de modelos complexos para explicar o movimento retrógrado dos planetas: um fenômeno no qual os planetas parecem se mover em loops ocasionais para trás. O efeito é uma ilusão de ótica que ocorre quando planetas que se movem mais rápido ultrapassam seus homólogos mais lentos durante suas órbitas ao redor do Sol, mas os gregos desenvolveram mecanismos e ciclos intrincados para encontrar explicações alternativas.
Os ciclos sinódicos revelados para Vênus e Saturno permitiram que a equipe fizesse a engenharia reversa de um sistema de engrenagens com a quantidade certa de dentes para produzir o tipo de movimento planetário descrito nas inscrições – completo com movimentos retrógrados que apareciam na face frontal. Essa seria uma tarefa relativamente fácil para um planeta, mas representar todos os cinco planetas conhecidos envolveu engenheiros extremamente habilidosos.
“Se você vai mostrar todos os planetas, terá que colocar todas as posições corretas”, explicou Wojcik. “Conforme você gira a manivela na lateral do dispositivo, todos esses pequenos planetas começam a se mover como um relógio em uma espécie de mini-planetário e, ocasionalmente, um deles gira para trás e depois se move para frente novamente, e então outro, mais para fora, começará a retroceder.”
“Mas, em qualquer ponto, quando você para a máquina, ela tem que oferecer uma reprodução fiel dos céus, porque esse é o propósito da máquina”, disse ele.
Para recriar esse efeito em seu modelo, a equipe deduziu os ciclos dos outros planetas, com base nos dados de Vênus e Saturno, e então desenvolveu um elaborado sistema de engrenagens que poderia reproduzi-los. Todas as engrenagens foram meticulosamente otimizadas para caber em um pequeno espaço entre as placas dianteira e traseira.
A reconstrução digital completa do artefato é excepcionalmente intrincada, então você definitivamente deve assistir ao documentário associado ao estudo (vimeo.com/518734183) para visualizar todas as engrenagens, pinos, mostradores e placas sobrepostas que a equipe acha que se combinavam nesse computador astronômico incompreensível.
O novo trabalho revela uma representação espetacular do mecanismo completo, que chega mais perto de encaixar todas as peças bizarras do quebra-cabeça do que qualquer modelo anterior. Mas isso não significa que o artefato revelou todos os seus mistérios – nem perto disso.
Freeth, Wojcik e seus colegas agora esperam replicar todo o maquinário de seu modelo usando as tecnologias disponíveis para seus criadores gregos, o que apresenta um enorme desafio e um novo capítulo estimulante na saga contínua da Máquina de Anticítera.
“É tão notável em termos de seus requisitos de precisão e capacidade de fabricação que está fora de sincronia com o que pensamos que os gregos poderiam ter alcançado”, disse Wojcik. “Mas temos que aceitar que essa é a forma como a máquina funcionava e os gregos a fizeram.”
“A menos que seja do espaço sideral, temos que encontrar uma maneira para explicar como os gregos teriam feito isso”, concluiu. “Essa é a próxima etapa e a parte emocionante, e acho que essa é a peça final do quebra-cabeça.”
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Tradução: Tunguska
Fonte: https://www.vice.com
Agradecimentos ao João Marcelo pela permissão de publicação.
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