Na ciência há uma parceria poderosa entre teoria e engenharia. É o que originou a energia atômica, o acelerador de partículas LHC (Large Hadron Collider ou Grande Colisor de Hádrons) e os voos espaciais, para citar exemplos mais famosos.
Os teóricos dizem: “Isso é possível teoricamente”. Os engenheiros então buscam descobrir como fazer, confiantes na correção da matemática e da teoria.
As áreas, claro, não se excluem. Teóricos entendem de engenharia. Engenheiros partem de um conhecimento profundo da teoria. Costuma ser uma relação harmoniosa – e competitiva.
Mas às vezes esses mundos podem colidir. Teóricos dizem que algo não é possível e engenheiros respondem: “Vamos tentar assim mesmo – vale conferir.”
Há um campo da ciência em que uma disputa como essa se arrasta por anos, talvez a área mais controversa em toda a ciência/engenharia – o controle da gravidade.
Tentativa pioneira
Quando o engenheiro aeroespacial Ron Evans procurou seus chefes no final dos anos 1980 na BAE Systems (multinacional britânica de tecnologia aeroespacial e de defesa) e perguntou se o autorizariam a buscar alguma forma de controle da gravidade, eles provavelmente pediram que tomasse um chá e se acalmasse.
O controle da gravidade era uma ideia de ficção científica que todo físico teórico respeitado dizia ser impossível.
Evans admite que convencer os chefes foi tarefa difícil. “Muitos na empresa achavam que não deveríamos tentar porque fazíamos aviões e isso era muito especulativo.”
Enfrentar a gravidade com asas e turbinas era o negócio bilionário da BAE, então por que se aventurar em heresias científicas? Evans justifica: “O potencial era absolutamente enorme. Poderia mudar totalmente a engenharia aeroespacial.”
Se fosse possível fazer a gravidade empurrar em vez de puxar, eles teriam uma fonte potencialmente infinita – e gratuita – de propulsão. Isso colocaria a BAE Systems na dianteira da maior revolução tecnológica desde a invenção do voo a motor. Talvez valesse tentar.
Pediram a Evans que se reunisse com sua equipe e voltasse com alguns conceitos. Ele apresentou um desenho de um avião de decolagem vertical, alimentado por um “motor de gravidade” ainda inexistente.
Para o rascunho ficar ainda mais visionário, ele pediu ao desenhista incluir alguns raios verdes saindo do avião – um brilho verde. Quando os chefes de Evans decidiram autorizar uma pequena verba e um escritório, nasceu o Projeto Greenglow (brilho verde, em inglês).
Evans logo descobriu que poderia convidar engenheiros em universidades britânicas de ponta para colaborar com a pesquisa, e não era apenas curiosidade acadêmica. Como a BAE, todos estavam atrás do novo paradigma da propulsão – asas e turbinas tinham chegado no limite.
Esforços paralelos
Na Nasa (agência espacial americana), o engenheiro aeroespacial Marc Millis começou um projeto paralelo – o programa Breakthrough Physics Propulsion. A Nasa tinha prometido ir além do Sistema Solar em uma geração, mas sabia que foguetes convencionais nunca levariam seus astronautas até lá.
“Se você quiser ir até nossa estrela vizinha mais próxima, e digamos que queira fazer isso em 50 anos, você teria que ir a um décimo da velocidade da luz. Bem, a quantidade de propulsor que precisaria é aproximadamente a massa de todo o Sol. Precisamos de algo completamente diferente”, diz Millis. Como Evans, o conselho a ele foi: “Pense radicalmente, e pense grande.”
Sem aviso prévio, um cientista russo chamado Eugene Podkletnov disse ter encontrado a resposta por acidente. Ainda na década de 1990, ele relatou ter observado um “escudo antigravitacional” ser formado em um objeto suspenso sobre um supercondutor giratório.
Centros de pesquisa pelo mundo, como o Greenglow e a Nasa, embarcaram na onda e tentaram reproduzir a proposta de Podkletnov. Falharam.
Em Dresden, na Alemanha, Martin Tajmar recebeu recursos para tentar toda alternativa possível. O programa espacial alemão estava tão sedento como os EUA por uma revolução nessa área. “A antigravidade é como dizer: ‘Sim, estou tentando fazer o impossível’. Mas fique sempre pronto para uma surpresa”, afirma Tajmar.
Impasse nas pesquisas
Para cientistas como John Ellis, do Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), não foi surpresa quando nada de novo apareceu. “Esse sujeito tinha a ideia que brincando com supercondutores poderia mudar a força do campo gravitacional da Terra? Besteira!”
Novos trabalhos de Podkletnov não atingiram o mesmo sucesso do primeiro, e não faltaram físicos para apontar as razões.
Primeiro de tudo, havia o problema de escala, como Clifford Johnson, da Universidade do Sul da Califórnia, explica.
“Tendemos a pensar na gravidade como muito forte – afinal é o que nos segura à Terra. Mas é a mais fraca das forças que conhecemos na natureza. É, por exemplo, 10 vezes elevado à 40ª potência mais fraca do que o eletromagnetismo – é 1 com 40 zeros na frente.”
Parecia que mesmo se alguém conseguisse manipular a gravidade em laboratório, não havia nada de útil a fazer com ela. Em suma, para alterar a gravidade de um planeta, você precisa da massa de outro planeta.
Luz no fim do túnel
E justamente quando os engenheiros pareciam estar ficando sem ideias, os físicos teóricos jogaram uma boia nesse oceano.
Uma descoberta recente mostrou que o universo não está apenas se expandindo, mas acelerando em sua expansão, e de repente os teóricos tinham coisas a explicar.
Como conta Tamara Davis, da Universidade de Queensland, na Austrália. “Algo está acelerando as galáxias umas das outras. A gravidade parece estar ‘empurrando’.”
Alguns teóricos agora estão desafiando padrões para apresentar explicações radicais. Entre eles está Dragan Hajdukovic, do Cern, que desenvolveu uma teoria que aponta a existência da chamada polaridade gravitacional.
“Até agora acreditamos que a gravidade é apenas uma força de atração. Pode ser que seja também uma força de repulsão, mas não entre matéria e matéria, mas entre matéria e antimatéria.”
É uma teoria que o Cern se prepara para testar no próximo ano. Se Hajdukovic conseguir provar que partículas de antimatéria caem “para cima”, abrirá a possibilidade para alguma forma de antigravidade demonstrável na Terra – e certamente levaria um prêmio Nobel nessa história.
Mesmo se ele estiver certo, explorar um fenômeno desse em qualquer sentido prático pode estar além de nossa capacidade de engenharia.
Empurrando os limites
Ideias ainda mais ousadas estão agora na mesa. Por exemplo, uma proposta encabeçada por Tajmar é usar um conceito puramente teórico, o de massa negativa.
Teoricamente, quando a massa negativa é aproximada da massa positiva, poderia criar uma força de repulsão potente – uma força de aceleração infinita, ou a dobra espacial, para usar o termo da série de ficção Jornada nas Estrelas.
Johnson, da Universidade do Sul da Califórnia, logo aponta alguns obstáculos teóricos – isso inverteria o modelo aceito de espaço-tempo universal de Einstein e tornaria a física atual um pesadelo.
A objeção de Davis, de Queensland, é mais prática: “É melhor que você não goste das pessoas que você quiser visitar em sua dobra espacial, porque você iria aniquilá-las no processo de chegar até lá.”
Agora que existem teorias de como a antigravidade pode funcionar, são os engenheiros que aparentemente não conseguem meios práticos de tirá-las do papel.
Ron Evans se aposentou quando o Projeto Greenglow finalmente foi encerrado, em 2005, sem nenhuma forma prática de controle da gravidade a oferecer. Mas a história não terminou ali.
Um novo caminho?
Um aparelho sobreviveu, quase sem ser notado, dos dias do Greenglow – um motor de propulsão eletromagnética chamado EM Drive, criado pelo engenheiro aeroespacial britânico Roger Shawyer.
E o que diferencia o EM Drive de outros conceitos? “Não estamos mais tentando controlar a gravidade em si. Estamos vencendo a gravidade da maneira mais esperta.”
Em testes, o EM Drive parece se mover pela sua própria propulsão.
Shawyer diz que seu conceito usa uma propriedade conhecida da energia de microondas chamada “cut-off” para gerar empuxo.
Segundo Shawyer, a forma cônica da caixa fechada faz com que as microondas efetivamente parem em um extremo da cavidade, enquanto continuam a vibrar uma contra as outras, criando uma diferença de pressão.
Com um suprimento de energia solar, Shawyer diz que poderia acelerar o EM Drive em qualquer direção de maneira quase contínua.
“Você de repente teria um motor de elevação, que simplemeste paira ali ou de fato acelera para cima. Então você pode vislumbrar o lançamento de grandes cargas no espaço, controlado por uma espaçonave guiada por um EM Drive.”
Teóricos são céticos sobre essas afirmações, porque o EM Drive parece desafiar a lei de Newton sobre a conservação do momento linear.
“Com o EM Drive, diferentemente de um foguete, nada sai dele. Não sei como você pode gerar movimento de nada”, diz John Ellis, do Cern.
Engenheiros como Ron Evans são mais pragmáticos. “É o experimento que conta. Se funciona, cabe aos téoricos colocar de pé uma teoria que o explique.”
Os testes e os debates continuam. Enquanto isso, a fabricante de aviões Boeing aparentemente já patenteou sua própria versão do EM Drive e o Pentágono demonstrou interesse na tecnologia. Vale ficar de olho.
Fonte: BBC
Colaboração: Morpheu