Embora outras idéias não tenham jamais deixado de ser consideradas, até poucas décadas atrás a hipótese da formação de nosso sistema solar por meio de um acidente cósmico raro, como uma quase-colisão entre estrelas, era a preferida pelo mundo científico. Pessoalmente ainda me lembro de ter sido esta a única explicação que me foi ensinada lá atrás, ainda no que hoje chamamos de primeiro grau. Se realmente fosse esta a origem do nosso mundo e de seus companheiros que gravitam ao redor do Sol, então a própria existência de outros planetas no espaço distante seria extremamente rara, e haveria uma boa possibilidade de a Terra ser um dos pouquíssimos pontos do universo onde a vida poderia existir.
Contudo, os avanços da astronomia e da astrofísica nos últimos anos tornaram possível a detecção, por diversos métodos, de vários planetas girando ao redor de outras estrelas em nosso entorno galáctico. Parece agora que o surgimento de planetas é a norma durante a formação dos sistemas estelares ao invés de uma exceção, e como consequência nossa galáxia (e por extensão todo o universo) é imaginada atualmente como estando coalhada de planetas dos mais diversos tipos e tamanhos. Não existem motivos para se imaginar que pelo menos uma pequena proporção destes planetas não seja capaz de abrigar a vida, e como existem centenas de bilhões de sistemas estelares apenas em nossa galáxia, mesmo que apenas uma em cada um milhão de estrelas fosse acompanhada por um planeta contendo formas de vida ainda assim existiriam centenas de milhares de mundos vivos espalhados pela Via Láctea. Por isso, a ciência atual considera ínfima a possibilidade de que nosso planeta seja o único ponto do cosmo onde a vida se desenvolveu. E como parece ser uma característica da própria vida sua tendência a evoluir para formas cada vez mais complexas em sua adaptação aos desafios do meio ambiente, é muito provável que em diversos destes outros planetas a vida tenha avançado para formas inteligentes, capazes de construir uma civilização.
Este fato levanta a interessante questão de como poderiam ser estas criaturas inteligentes evoluídas em outros mundos. Infelizmente, não temos atualmente nenhuma informação sobre como a vida poderia ter se desenvolvido em planetas diferentes da Terra, e somos forçados a utilizar apenas o conhecimento que temos sobre a vida em nosso próprio planeta para tentar imaginar como se pareceriam os habitantes de outros sistemas estelares. De um modo geral, a maioria das pessoas aparenta imaginar que seres inteligentes extraterrestres seriam variações de nossa própria forma humanóide com apenas alguns detalhes diferentes, e para verificar este fato basta observar as descrições mais comuns de alienígenas apresentadas nas histórias de ficção científica e nos relatos, não importa se reais ou não, de contatos com ocupantes de discos voadores. Será, contudo, que baseando-nos nos conhecimentos que possuímos sobre a biologia terrestre podemos mesmo deduzir que eventuais civilizações existentes em outros sistemas estelares sejam formadas por pequenos homenzinhos cinzentos de olhos grandes e negros, guerreiros com cascos de tartaruga na testa ou qualquer outra raça que poderia sem maiores problemas vestir uma calça jeans? O que já sabemos sobre o desenvolvimento da vida aqui na Terra mesmo que possa nos dar uma idéia do que esperar em outros mundos pelo universo? Sem entrar na complexa discussão sobre a origem da vida em si, neste artigo vamos verificar quais seriam os requisitos para que criaturas alienígenas pudessem adquirir um nível de inteligência comparável ao nosso próprio, a ponto de poder formar uma civilização.
2- Vida e evolução:
O primeiro ponto a discutir diz respeito à própria definição de vida. Apesar de não parecer, é muito difícil definir o que seja vida, e ainda não existe uma definição que seja universalmente aceita. Isto porque existem no mundo microscópico organismos que estão no limite entre a vida e a matéria inanimada, como os vírus e os príons, e não é muito fácil criar uma classificação que possa incluí-los juntamente com as formas animais e vegetais macroscópicas com as quais estamos mais familiarizados e que estão com certeza vivas. Mas para o tema em discussão neste artigo podemos em princípio ignorar estas formas limítrofes, pois não há como imaginar que possam por si mesmas criar uma civilização, que é o que nos interessa no momento. Assim, podemos adotar o conceito de que a vida é definida como sendo aquilo que pode interagir de forma ativa com o meio, retirando dele elementos para sua sustentação, crescimento ou procriação, e possuindo ainda a capacidade de auto-organização interna. Note-se que esta definição é bastante ampla para englobar entidades que possam ser bastante diferentes da vida como conhecida aqui na Terra. Contudo, considerando que a criação de uma civilização exige que as formas de vida em estudo não apenas sobrevivam mas sejam também capazes de alterar de forma deliberada o meio em que vivem, seres muito simples como bactérias e protozoários estariam fora do escopo de nossas elucubrações. Outras formas de vida são imagináveis, como a estranha biota do período Vendiano cujos fósseis tem sido encontrados em camadas geológicas mais antigas do que o período que se considerava o mais recuado possível para a existência da vida multicelular. Alguns cientistas acreditam que pelo menos certos tipos de criaturas deste período não apresentavam estrutura celular como a conhecemos, embora tivessem tamanho macroscópico. Mas esta é uma proposição altamente especulativa e por isso não iremos desenvolvê-la aqui. Portanto, vamos neste trabalho limitar nosso estudo às formas de vida mais sofisticadas que realmente conhecemos, ou seja, animais e plantas multicelulares.
Uma vez definidas as criaturas às quais nos referiremos, podermos avançar para a questão de como formas de vida se tornam inteligentes afinal. Para isso inicialmente precisamos observar como a vida em si evolui. Ao contrário do que muita gente pensa, a evolução das espécies ao longo da história de nosso planeta não foi uma sequência contínua de mudanças das estruturas mais simples para as mais sofisticadas seguindo um caminho inflexível que levou inexoravelmente ao surgimento dos seres humanos. O que na verdade se observa é o surgimento de variações totalmente fortuitas nas populações de cada espécie, originadas por recombinação genética, mutações e outros fenômenos que alterem o patrimônio genético hereditário, e depois o meio ambiente exerce pressões que favorecem ou prejudicam a sobrevivência e a reprodução de determinados indivíduos que apresentam características mais adequadas para sua adaptação às condições ecológicas do momento. Isto pode levar tanto no caminho da maior complexidade quanto no da simplificação, dependendo das relações ecológicas específicas dos indivíduos e populações das espécies sucessivas em seus habitats. Por exemplo, peixes podem ganhar membros e pulmões e evoluir para dinossauros e mamíferos, mas estes podem também perder seus membros e voltar a viver na água, como seus ancestrais peixes. No entanto, algumas características básicas das linhagens evolutivas tendem a se manter por mais ou menos tempo, por terem importância adaptativa muito grande. Os peixes mantiveram e reforçaram seus ossos ao subir à terra firme, e ictiossauros e golfinhos mantiveram seus pulmões ao retornar para a água. O ponto mais importante a manter em mente é que as variações e a evolução decorrente delas não seguem nenhum caminho pré-definido, sendo totalmente aleatórias. Cada forma de vida hoje existente sobre a superfície de nosso planeta é consequência de uma enorme sucessão imprevisível de mudanças ao longo de milhares ou milhões de gerações, e qualquer alteração nas condições adaptativas, ou mesmo simples eventos aleatórios no meio do caminho, poderiam ter levado ao surgimento de outras criaturas completamente diferentes. Como disse certa vez o conhecido astrônomo Carl Sagan, “se apenas uma libélula não tivesse morrido nos pântanos do carbonífero hoje a forma de vida dominante em nosso planeta poderia ter três metros de altura e seis dedos em cada mão” (ou algo assim).
Desta forma, para imaginar como poderiam ser os indivíduos de uma civilização extra-terrestre não existe razão para partirmos desde o princípio da forma humanóide e acrescentarmos depois características estranhas, como antenas e orelhas pontudas, apenas para diferenciá-los de nós. Este recurso é muito usado por roteiristas de filmes de ficção científica, por facilitar em muito a caracterização de atores humanos como personagens alienígenas, mas não faz sentido do ponto de vista estritamente científico. O correto é verificar todas as possíveis variações que possamos conceber para as formas de vida em geral, identificar as características que nos parecem necessárias para uma raça ser reconhecida como inteligente, e então extrapolar aquela forma de vida imaginada para um ser que englobe estas características. Praticado desta forma, o exercício de imaginar inteligências extraterrestres pode levar a resultados bastante interessantes! Vamos começar, portanto, verificando quais seriam as principais características de alienígenas que poderíamos reconhecer como inteligentes.
3- O sistema nervoso e suas implicações:
A primeira delas seria a capacidade de reagir ativamente a estímulos externos, o que significa a presença de complexos órgãos sensoriais e de algo equivalente a um sistema nervoso sofisticado. Em nosso planeta, a grande maioria das formas de vida que consideramos mais inteligentes e evoluídas concentra sua atividade neurológica em uma massa de células especializadas chamada cérebro, que está conectado diretamente aos diversos órgãos de sentidos como visão, olfato e audição, bem como aos músculos do corpo, permitindo assim a execução de movimentos coordenados. Seres como as plantas ou as esponjas do mar, que não possuem um sistema nervoso diferenciado nem órgãos especializados dos sentidos, não parecem ser candidatos adequados para evoluir e formar uma civilização. Desta forma tendemos a imaginar os seres alienígenas como também dotados de cérebros complexos do mesmo tipo dos nossos. Mas embora a existência das células nervosas em si pareça ser uma exigência inescapável, será um cérebro compacto a única forma de organização possível para garantir a execução de atividades mais elaboradas por parte destas células?
Pelo que conhecemos da vida em nosso planeta, a resposta é não. Existem exemplos de formas de vida terrestres que não possuem um cérebro organizado e mesmo assim reagem ao meio ambiente, se deslocam, reproduzem e até caçam tão bem como quaisquer outros animais. Entre eles podemos citar os celenterados, como medusas e anêmonas, e os equinodermos, como ouriços e estrelas do mar. Estas criaturas são capazes de reagir a diversos estímulos externos com movimentos bem distintos e organizados, a ponto de possuírem hábitos predadores e a capacidade de capturar presas em princípio muito mais evoluídas, como crustáceos e peixes, mesmo com seus sistemas nervosos dispersos (embora para isso muitas espécies contem com a ajuda de células venenosas). E embora a maioria delas pareça ter uma capacidade apenas limitada de ação, pelo menos algumas são capazes de percepção apurada e de executar deslocamentos complexos e movimentos surpreendentemente coordenados. Quem já teve a oportunidade de observar um ofiúro (parente da estrela do mar com braços serpentiformes) buscando alimento pôde surpreender-se com a agilidade e a determinação destes seres descerebrados. Assim sendo, não é impossível imaginar que nas condições adequadas criaturas sem cérebros bem definidos possam evoluir até alcançar a inteligência e criar uma civilização. E seres assim obviamente não precisariam possuir um crânio para proteger seu cérebro inexistente, e na verdade nem mesmo uma cabeça para contê-lo. Com isto seus órgão dos sentidos poderiam estar localizados em diversas partes do corpo ao invés de se concentrarem praticamente todos na cabeça, como acontece conosco.
Uma argumentação que se pode imaginar contra sistemas nervosos dispersos em criaturas evoluídas diz respeito à aparente fragilidade de uma estrutura neurológica assim. Danos mais ou menos extensos em muitas regiões diferentes do corpo poderiam afetar o sistema nervoso, o que impediria a recuperação das criaturas que eventualmente se ferissem na luta pela sobrevivência. Mas este argumento parte do princípio de que as células nervosas de seres alienígenas teriam a mesma dificuldade de se regenerar que as nossas, o que não precisa ser necessariamente verdade. Diversas espécies de nosso mundo, incluindo o exemplo extremo de alguns vermes platelmintos (como as planárias) podem regenerar grandes partes de seu corpo, incluindo aí suas células nervosas. É até possível que em nós vertebrados as células nervosas, principalmente as cerebrais, tenham perdido sua capacidade de reprodução justamente por estarem protegidas dentro de uma carapaça craniana. Talvez neste aspecto em termos cósmicos nós sejamos a exceção, e não a regra.
No outro extremo, também não existem garantias de que caso criaturas inteligentes possuam cérebros elas tenham que ter apenas um, como acontece conosco. Na era Mesozóica em nosso próprio planeta animais como o estegossauro possuíam um grande gânglio neural colocado na parte posterior do corpo, muito maior que seu próprio cérebro e supostamente responsável pela coordenação dos movimentos de suas pernas traseiras e cauda. Mais à frente discutiremos outras criaturas bem atuais que também parecem funcionar assim. Pode-se então imaginar seres inteligentes com diversos “cérebros” distribuídos pelo corpo, desempenhando funções específicas, e aí talvez tivéssemos até criaturas com várias cabeças ao invés de apenas uma. E cada uma delas poderia ser especializada em uma tarefa em particular, como uma cabeça elevada para a visão, outra próxima ao solo para o olfato, e ainda outra na ponta de um longo pescoço para colher alimentos. As variações possíveis vão muito além das duas cabeças gêmeas de alguns personagens da ficção científica.
4- A questão da simetria:
O próximo ponto a analisar diz respeito às formas de simetria corporal. Nosso próprio corpo possui o que chamamos de simetria bilateral, o que significa que temos um lado do corpo igual ao outro (ou pelo menos tende a ser mais ou menos igual). Mas novamente temos exemplos de animais como estrelas-do-mar e pólipos de coral que apresentam simetria radial e parecem conviver muito bem com isso. Não é realmente difícil imaginar que criaturas deste tipo pudessem ter se tornado dominantes na fauna de um mundo qualquer, e gerado espécies avançadas como o mesmo tipo de simetria. Tais seres poderiam se deslocar deslizando sobre o substrato como anêmonas, utilizar miríades de pequenas pernas como e estrelas-do-mar, ou ainda andar sobre um certo número de pernas fortes de movimento sincronizado que sustentariam seus corpos longe do solo. Seus órgãos dos sentidos poderiam se distribuir uniformemente ao longo da circunferência, fazendo com que conceitos como “frente” e “trás” fossem estranhos para eles. É interessante imaginar como poderia ser a arquitetura e a engenharia de criaturas assim.
A simetria poderia ainda ser dorso-ventral ao invés de bilateral, como no grupo de animais conhecidos como braquiópodes dos nossos mares. Seres assim poderiam ter um aspecto vermiforme, ou talvez se deslocar com movimentos de natação (ou de vôo) em mundos com atmosfera muito mais densa do que a nossa. Mesmo alguma forma de assimetria parcial poderia ser encontrada em formas de vida inteligentes que evoluíssem em outros planetas, do tipo que ocorre por exemplo nos pequenos caranguejos de mangue, que tem uma garra muito maior que a outra. Nós mesmos apresentamos um certo grau de assimetria interna, pois alguns de nossos órgãos estão inclinados ou são colocados em apenas um dos lados do corpo. Apenas a total não-simetria parece ser incompatível com organismos mais evoluídos, ocorrendo em nosso planeta apenas em alguns tipos de poríferos (esponjas marinhas) menos desenvolvidos. No mínimo uma falta total de simetria iria prejudicar o deslocamento em linha reta de um animal que a possuísse, e isto pode ser um impedimento para que uma forma de vida assim evolua.
5- Estruturas corporais:
Quanto à estrutura de sustentação, que dá a forma e o aspecto geral do corpo, os requisitos para o desenvolvimento de espécies inteligentes parecem ser mais restritos. No caso de planetas como o mesmo nível de gravidade superficial e densidade atmosférica que o nosso nem todos os tipos de estruturas parecem adequados para o desenvolvimento de organismos complexos o suficiente para poderem desenvolver um nível avançado de inteligência. Por exemplo, em nosso mundo atual os artrópodes terrestres (insetos, aracnídeos, miriápodes, etc…), que ao invés de um esqueleto interno possuem um exoesqueleto semelhante a uma armadura formado por placas quitinosas do lado de forra do corpo, apresentam limitações severas quanto ao tamanho que podem atingir. Os maiores espécimes hoje existentes destes animais não passam de algumas dezenas de centímetros de tamanho, e devido a limitações mecânicas e respiratórias eles não podem atingir tamanhos muito maiores do que isso. Assim, dificilmente encontraremos insetos ou aracnídeos inteligentes, já que em princípio um sistema nervoso sofisticado o bastante para gerar um nível de desenvolvimento mental comparável ao nosso demandaria um corpo muito maior. Portanto, as raças insetóides de forma e tamanho próximas à humana, comuns na ficção científica (geralmente fazendo papel de vilões), não são muito prováveis.
No entanto, as limitações citadas acima se aplicam a cada segmento individual do corpo dos artrópodes, e não ao seu tamanho total. Um inseto com um abdômen ou um tórax tão grandes quanto os de um homem seria extremamente frágil, e dificilmente poderia se sustentar contra a gravidade de um planeta como a Terra, mas se seu corpo fosse composto de vários segmentos menores então as restrições mecânicas não se aplicariam. O mesmo se dá com relação à respiração traqueal destes animais (e não pulmonar, já que com um exoesqueleto rígido eles teriam dificuldades em fazer seus pulmões se distenderem), que tem pouca eficiência para uma atmosfera com o teor de oxigênio da nossa, mas poderia funcionar em um mundo com uma proporção maior deste gás. Isto já aconteceu no passado de nosso planeta, quando o oxigênio era mais abundante e viveram aqui seres como a libélula gigante Meganeura, com oitenta centímetros de envergadura, ou o enorme miriápode Arthropleura, similar a uma centopéia, que tinha mais de dois metros de comprimento e 50 kg de peso, sendo maior do que muitos seres humanos que são inegavelmente inteligentes. Então, em princípio nada impede que criaturas deste tipo alcancem a inteligência também (embora em nosso planeta os miriápodes não pareçam ser os artrópodes mais inteligentes, e sim os insetos e aracnídeos). E fica aberta a questão do que poderia existir em planetas com gravidade menor que a nossa.
Uma outra forma de estrutura que em nosso planeta permitiu o desenvolvimento de um nível de inteligência admirável foi a dos moluscos cefalópodes. Animais como os polvos já mostraram em testes de laboratório ter um nível de inteligência perfeitamente comparável ao de mamíferos como os cães. E existem parentes do polvo muito maiores nos oceanos, como a lula gigante, que possuem também cérebros igualmente maiores. Em nosso próprio mundo estas criaturas jamais abandonaram as águas, e talvez por isso não tiveram a mesma chance dos animais terrestres como nós de evoluir e criar uma civilização. Mas isto não parece ser um impedimento absoluto. Seus parentes moluscos gastrópodes (lesmas e caracóis) fizeram uma passagem bem sucedida para o ambiente terrestre, e pode perfeitamente ser que em outros mundos criaturas similares aos cefalópodes tenham sido bem sucedidas nisto também. É muito difícil imaginar o que uma linha evolutiva como esta poderia gerar em termos de criaturas inteligentes, da mesma maneira que a aparência de um primitivo peixe pulmonado não permite visualizar a subsequente forma humana. Mas a primeira coisa que vem à mente é uma enorme lesma com olhos pedunculares e longos tentáculos, talvez com as pontas bifurcadas para facilitar a manipulação de objetos (como será discutido posteriormente).
Mesmo se nos limitarmos às formas vertebradas, que em nosso mundo foram as mais bem sucedidas no domínio dos ambientes terrestres, nada garante que elas tivessem a mesma estrutura básica dos serem humanos, com nossa forma bípede ereta, dois braços e uma cabeça. Somos assim porque em nosso mundo o ancestral comum de todos os vertebrados terrestres, um membro de uma ordem de peixes chamada de crossopterígios, era uma criatura com 4 barbatanas laterais (que deram origem às 4 pernas dos primeiros animais terrestres), um tronco único e cabeça distinta, colocada na ponta da coluna vertebral. Mas nada garante que esta seja a única forma possível. Pode-se perfeitamente imaginar que o número de barbatanas laterais nestes peixes fosse maior, o que seria perfeitamente funcional para um peixe e poderia levar a toda uma linha de vertebrados de seis, oito ou mais pernas, algumas das quais poderiam depois evoluir para braços ou asas. Da mesma forma o corpo poderia ter sido segmentado, a cabeça poderia ter-se mantido fundida ao resto do corpo, ou poderia até existir mais de uma (como já mencionado anteriormente). Todas estas formas são fisiologicamente viáveis e, portanto, podem-se imaginar criaturas inteligentes vertebradas com formas muito diferentes não apenas da forma humana, mas também de qualquer outro animal vertebrado já surgido em nosso planeta. Um exemplo clássico seriam as formas centauróides (com dois braços, quatro pernas e corpos formando a letra “L”, como os centauros da mitologia grega – daí o seu nome), que também não são raras na ficção científica, mas muitas outras possibilidades podem ser imaginadas.
6-Apêndices manipuladores:
Um outro importante aspecto a considerar para que uma raça inteligente possa desenvolver o que chamamos de civilização é a capacidade de criar e manipular objetos e ferramentas. Muitas espécies em nosso próprio planeta mostraram poder utilizar pedras, galhos e mesmo partes de outros animais como ferramentas para executar tarefas específicas. Formigas podem utilizar folhas para construir seus ninhos, pássaros utilizam espinhos para fisgar larvas de troncos e golfinhos já foram vistos empregando peixes venenosos para capturar perigosas moréias. No entanto, as capacidades de manipulação destes animais são muito restritas, pois lhes faltam apêndices manipuladores mais sofisticados e eles são obrigados a utilizar suas bocas para segurar e empregar estas ferramentas. Assim é quase impossível manipular dois objetos ao mesmo tempo, e desta forma na prática torna-se inviável a produção de conjuntos complexos, compostos por várias peças ligadas umas às outras de forma organizada gerando os sistemas mais sofisticados que caracterizariam uma raça civilizada. E sem eles não é possível que uma espécie, mesmo que inteligente (como por exemplo alguns acreditam que os golfinhos e/ou baleias sejam), possa criar qualquer forma do que conhecemos como tecnologia.
Portanto, uma característica que uma raça civilizada extraterrestre precisaria com quase toda certeza apresentar seria a posse de apêndices manipuladores. Nossas próprias mãos são excelentes exemplos deste tipo de apêndices, mas de forma alguma o único concebível. Em diversas espécies de crustáceos, como lagostas e camarões, observa-se a presença de quatro ou seis pares de pinças articuladas, capazes de trabalhar em conjunto para segurar o alimento que estes animais buscam no fundo de mares e rios. Embora cada garra isoladamente seja menos eficiente que uma mão humana, pela falta de um polegar opositor, um conjunto de quatro ou seis como possuem estes animais poderia ser igualmente eficiente, bastando um sistema nervoso mais desenvolvido para comandá-las.
Outra possibilidade é o uso de tentáculos não articulados, como os dos já citados cefalópodes. De fato, polvos e lulas já demonstraram em testes ter excelente capacidade de manipulação de objetos, existindo relatos de exemplares destes animais em aquários desmontando válvulas ou empilhando pedras para formar barreiras. A coordenação precisa dos movimentos de um grande número de tentáculos tão flexíveis quanto os dos cefalópodes pode parecer uma tarefa quase impossível, mesmo para um cérebro avançado como o nosso, mas pesquisas recentes indicam a possibilidade de que, pelo menos nos polvos, grande parte do controle de cada tentáculo seja efetuado pelo sistema nervoso contido nele próprio, o que simplificaria a tarefa para o cérebro central. Existe até mesmo um gânglio nervoso colocado na base de cada ventosa, permitindo controlá-las individualmente! Contando com um sistema assim, conforme já mencionado anteriormente, não é tão complicado imaginar criaturas semelhantes a polvos evoluindo para uma raça inteligente e criando uma verdadeira civilização. Em nosso planeta, contudo, parece difícil que isto venha a acontecer por dois motivos: Primeiro, os cefalópodes daqui vivem por um tempo bastante curto, apenas um ou dois anos, e praticamente não existe convívio entre as gerações. Desta forma as capacidades de aprendizado transmitido, que são comuns em mamíferos e aves, não podem se desenvolver. E segundo, porque em ambientes aquáticos não é possível utilizar o fogo, que pode ter sido um avanço importante para o desenvolvimento da inteligência superior dos seres humanos. Mas quem sabe em outros planetas, com outras sequências evolutivas? Existe pelo menos um relato de um polvo mantido em um aquário público que saía de seu tanque, deslocava-se até outro vizinho, comia peixes mantidos neste último e depois voltava para sua “casa”. O que poderia acontecer se ao longo das eras descendentes deste esperto cefalópode se adaptassem a viver cada vez mais tempo fora d`água?
E braços, mãos, pinças e tentáculos não esgotam as possibilidades de órgãos capazes de manipulação. A tromba dos elefantes também é capaz de exercer este papel, apresentando em sua ponta uma capacidade de apreensão suficiente para que os paquidermes arranquem tufos de plantas e os utilizem para espantar moscas, ou recolham delicadamente frutos macios em árvores elevadas e os levem até a boca sem lhes romper a casca. Caso ao invés de uma os elefantes tivessem desenvolvido duas trombas (e nada impede que uma mutação cause este tipo de mudança, já que até mesmo animais com duas cabeças não são de todo incomuns), eles teriam uma capacidade de manipulação bem próxima da humana. Considerando a possibilidade de evolução posterior, é fácil imaginar uma civilização avançada surgindo daí, como fizeram os o autores de ficção científica Larry Niven e Jerry Pournelle em seu romance “Invasão”, onde uma raça dotada de trombas que se subdividiam sucessivamente até possuir oito pontas distintas atacava nosso planeta.
7- Conclusão:
Considerando tudo o que foi exposto acima fica evidente que imaginar a forma humanoide como a única ou mesmo a mais frequente que poderia ser assumida por seres extraterrestres inteligentes é no mínimo um exercício de arrogância, em que imaginamos o universo à nossa própria imagem. Ainda que levemos em conta apenas o que conhecemos sobre a vida em nosso próprio planeta é perfeitamente possível imaginar diversas formas físicas totalmente diferentes da nossa, e pelo menos tão adequadas quanto ela ao desenvolvimento de um nível de inteligência superior e à criação de uma verdadeira civilização. Se lembrarmos ainda que ao pesquisar o universo nas últimas décadas acabamos descobrindo objetos e fenômenos totalmente distintos daqueles encontrados em nosso próprio mundo os quais nos eram totalmente insuspeitados anteriormente, como estrelas pulsantes, buracos negros, matéria escura e planetas gigantes ferventes, então podemos esperar que além daquilo que somos capazes de imaginar neste momento muitas outras possibilidades devem ser admitidas. E nossos irmãos inteligentes de outros sistemas solares podem ser criaturas que nosso intelecto não poderia nem mesmo conceber.
É claro que pode haver motivos absolutamente desconhecidos que obriguem o surgimento apenas de civilizações compostas por humanóides nas miríades de mundos habitados que devem existir pelo universo. Talvez os místicos Campos Mórficos propostos pelo cientista britânico Rupert Sheldrake forcem a evolução apenas de corpos semelhantes aos nossos, ou quem sabe Deus teria uma predileção toda especial pela nossa forma específica. Mas aí já teríamos que entrar em outros campos que não o puramente científico, e este não é o escopo deste artigo. Limitando nosso raciocínio ao que a ciência conhece atualmente e extrapolando a partir daí, a conclusão a que chegamos é que a forma humana é provavelmente apenas mais uma entre as muitas possibilidades de desenvolvimento de formas de vida inteligentes que devem ocorrer em outros sistemas solares.
E da mesma forma que nossa psicologia, nossa estrutura social e mesmo nossos conceitos morais são em grande parte ditados por nossa fisiologia e a forma de nosso corpo, outras civilizações no espaço, compostas por seres que possuíssem corpos fundamentalmente diferentes da forma humanóide, poderiam ter também desenvolvido padrões de pensamento e comportamento muito distintos, que não necessariamente se coadunariam com os nossos. Isto nos força a pensar então se, dadas as enormes dificuldades que temos em conviver com outros grupos perfeitamente humanos existentes em nosso planeta e que se diferenciam de nós apenas por usar uma língua diferente, ter a pele de outra cor ou acreditar em uma teologia um pouco distinta da nossa, estaríamos realmente prontos para travar contato com outras raças absolutamente inumanas que porventura viéssemos a contatar por rádio, ou que viessem nos visitar em avançadas naves espaciais.
Seria o ser humano do planeta Terra realmente capaz de dialogar amigavelmente com estes nossos “semelhantes”, que nos pareceriam monstros incompreensíveis? Este é em si um dos temas mais interessantes a ser explorados tanto nos estudos sérios de exobiologia e xenologia quanto pelos autores de ficção científica.
– Leandro G. Cardoso