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Espaço do Leitor: Abduzido!

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Tempo de leitura: 9 min.

Abduzido

Jão parou o carro no acostamento de terra irregular da estradinha de duas pistas, rente ao capim alto que crescia entre as árvores ao redor, e saltou apressado sem nem mesmo desligar o motor. Muitas cervejas em sequência podiam causar aquela reação. Ele correu para uma grande árvore pela qual havia acabado de passar e que estava alguns metros mais trás, postou-se de frente para o tronco, abriu a braguilha e começou a se aliviar na escuridão da madrugada, tendo apenas o tênue reflexo dos faróis no asfalto para iluminar o que estava fazendo.

A noite havia sido boa. Não excelente, ou ele teria companhia e não estaria voltando para casa, mas boa mesmo assim. Sempre valia à pena ir ao baile na cooperativa da cidade vizinha, tão maior e mais importante do que aquela onde ele vivia que tinha até um shopping e um hospital. As mulheres no baile eram gente refinada, nada de viúvas solitárias, donas de casa entediadas ou mocinhas em idade escolar. Eram todas profissionais, com carreiras sólidas e experiência de vida: faxineiras, diaristas, balconistas de loja e até operárias de algumas das pequenas indústrias de produtos agropecuários que abundavam na região. Elas tinham seus próprios rendimentos, e isso lhes dava a liberdade de sair com quem quisessem e fazer o que bem entendessem, sem ficar cobrando dele coisas que ele não estava disposto a oferecer. Era um verdadeiro paraíso para alguém como Jão, jovem, solteiro, forte e trabalhador especializado da construção civil, que ganhava um salário suficiente até para adquirir o excelente automóvel que ele possuía, um Tempra 1993 prateado quase em estado de novo comprado a perder de vista um ano e meio atrás, em 2012.

O carro era mantido na garagem da casa da família, que tinha bastante espaço já que seu pai nunca pudera comprar um carro próprio, e servia às necessidades urgentes de todos e para as saídas de fim-de-semana do rapaz. Mas ele evitava utilizá-lo em qualquer outra ocasião, para minimizar seu desgaste já que algumas das peças daquele modelo custavam mais caro do que de vários meses do seu salário. Nos sábados à noite, contudo, não havia argumento que pudesse impedir Jão de pegar seu carango e ir até o baile da cooperativa onde o porte, a cor e os bancos de couro do veículo já eram meio caminho andado para que ele conseguisse companhia feminina.

E daquela vez não havia sido diferente. Logo ao descer do Tempra em frente ao baile ele notara as jovens olhando para ele com sorrisos mal disfarçados no rosto, e escolhera a que mais lhe agradara para convidar a dançar. Outras se ofereceram de livre e espontânea vontade ao longo da noite, e ele se esbaldara como poucas vezes antes. Mas no final do baile a moça que ele queria dissera que tinha de chegar em casa cedo, além de estar acompanhada por algumas primas. Assim ele não tivera opção a não ser se despedir dela e combinar para se encontrarem no próximo final de semana. A agora ali estava ele, indo para casa sozinho no meio da madrugada um pouco animado demais e atento de menos devido ao excesso de álcool.

Foi então que ele percebeu pelo canto dos olhos um aumento na luminosidade que vinha da direção de seu carro. Por alguns segundos pensou que era apenas sua vista se adaptando à escuridão, mas quando notou os contornos de sua própria sombra projetada no tronco bem na sua frente achou que aquilo era luz demais. Algum outro veículo devia estar se aproximando pela estrada, em direção oposta à que ele estivera seguindo e seus faróis estavam a ponto de iluminá-lo e deixar suas vergonhas à mostra. Rapidamente ele terminou o que estava fazendo, e puxou o zíper para cima tão apressado que quase prendeu com ele o que não devia. Soltando um palavrão o jovem virou-se para observar o automóvel ou caminhão que pela intensidade da luz já devia estar quase chegando ali e então estacou, absolutamente estarrecido pelo que via.

Flutuando sobre seu carro, talvez a oito ou dez metros de altura, estava um enorme objeto prateado e luminoso, do tamanho de um avião de passageiros mas com o formato de um prato de sopa invertido, e que emitia estranhos feixes de luzes coloridas de sua parte inferior. Um autêntico disco voador!

Apavorado, Jão não sabia se corria ou se desmaiava, mas não teve tempo de fazer nem uma coisa nem outra. Uma das luzes coloridas o alcançou, e ele imediatamente sentiu uma sensação de enjoo enquanto seus pés descolavam do chão e ele passava a voar indefeso em direção àquela coisa flutuante. Seu estado de pânico era tão absoluto que ele sequer conseguia respirar, mas mesmo se debatendo como um peixe fora d´água ele não podia se livrar da força que o atraía para dentro do que percebia agora ser uma abertura iluminada na lateral do veículo espacial que o capturara. Alguns segundos depois o rapaz era depositado no piso de uma sala de grandes proporções enquanto a abertura por onde ele entrou se fechava e o disco disparava para cima, desaparecendo entre as estrelas em poucos instantes.

Os olhos do pobre azulejista demoraram um pouco para se acostumar à luz cegante que o envolvia, mais forte que a do sol sem, contudo, emitir qualquer calor. Por isso ele não percebeu imediatamente que não estava sozinho. Arfando apoiado de quatro sobre o piso branco e liso da grande sala, apenas quando uma voz soou em sua cabeça ele notou o estranho ser postado alguns metros à sua frente. Um alienígena verídico!

A criatura era bem alta, com mais de dois metros de altura. Seu corpo era estreito, de uma magreza antinatural, e vestia o que parecia ser uma malha justa branca com múltiplos detalhes dourados. Onde a pele estava visível, como na cabeça, no pescoço e nas mãos, ela era coberta por uma curta e densa pelagem amarelada, com minúsculas pintas pretas irregulares lembrando o pelo de um guepardo que Jão havia visto na televisão uma vez. Sua cabeça era larga na base e pontuda, como uma seta que encimasse um poste. Os olhos eram duas grandes semiesferas protuberantes como os de um sapo, mas de um verde escuro uniforme e sem expressão que remetia a enormes esmeraldas polidas. Não havia nenhum sinal de nariz, e a boca mal passava de um pequeno risco horizontal colocado sobre um queixo demasiadamente pequeno e arredondado. E ela não se movia quando a criatura falava:

  • Acredito que a esta altura você queira se levantar, – Começou a dizer o alienígena diretamente para a mente de Jão. – esta posição agachada não é natural para a sua espécie.

  • O quê? – retrucou o rapaz, pois não lhe ocorrera nada melhor para dizer.

  • Levante-se. – Ele ouviu novamente em sua cabeça. – E siga-me. Precisamos nos apressar.

  • Quem é você? – Perguntou Jão levantando-se desajeitadamente, com o corpo todo tremendo de tanto medo e respirando fundo para conseguir articular as palavras. – O que vai fazer comigo?

O alienígena não tinha nenhum interesse em trocar ideias com o terráqueo, mas percebeu que o esforço de falar o distraía de sua situação e tinha o potencial de acalmá-lo um pouco. E isso tinha o potencial de evitar problemas desagradáveis. Por isso decidiu responder às perguntas do pobre rapaz.

  • Sou apenas um visitante esporádico de seu mundo. A trajetória de nossa espaçonave nos trouxe até este ponto da galáxia e como a sua raça possuiu uma forma corporal semelhante à nossa própria decidimos coletar amostras para posterior análise em nosso planeta, quando retornarmos para casa. Agora venha comigo. – Disse a criatura, virando-se e saindo por uma porta que dava para um corredor curvo tão iluminado quanto a sala anterior e que parecia acompanhar o perímetro circular da nave.

  • O quê? – começou novamente a desesperar-se Jão, que apesar disso seguiu o alienígena conforme ordenado. – Vocês vão me sequestrar? Me levar para o espaço?

  • Não, isso não é permitido. E nem há motivos para que o façamos. – Respondeu o outro sem se voltar – Precisamos apenas de algumas amostras de materiais dos habitantes locais, e depois poderemos criar clones e estudá-los com calma em nosso próprio mundo, sem afetar nenhum indivíduo de seu planeta nem à sua sociedade. Existem leis interestelares com relação a isso. Você em breve será devolvido a Terra, ileso. Pode ficar calmo.

Ouvindo aquilo o rapaz realmente conseguiu se acalmar um pouco. Ele já havia assistido a filmes sobre este negócio de clonagem, e tinha uma vaga ideia de como aquilo funcionava. Pelo que sabia eles não precisariam matá-lo nem arrancar nenhum pedaço importante de seu corpo para fazer um clone, então ele devia estar seguro, ao menos por enquanto. E esta esperança deu-lhe ânimo para deixar escapar outra pergunta, também derivada dos filmes que ele gostava de assistir:

  • Você não devia ser baixinho e cinzento, com a cabeça redonda e os olhos pretos?

  • Existem realmente umas poucas raças assim como você descreve na galáxia. – Respondeu a voz do alienígena em sua cabeça. – E uma delas costuma de fato passar por este sistema estelar com certa frequência. Mas há também diversas espécies inteligentes de aparência muito diferente, que vocês deste planeta sequer conseguiriam imaginar. As formas que vocês arrogantemente chamariam de antropomórficas representam apenas cerca de sete por cento das civilizações conhecidas.

  • O que é an-po-tro-fór-mi-ca? – Perguntou confuso Joaquim dos Santos Aragão, que todos chamavam de Jão desde criança, tropeçando nas sílabas.

O alienígena pareceu respirar fundo de forma impaciente, embora não tivesse nenhum nariz visível e não abrisse a boca nem mesmo para falar, e em seguida respondeu:

  • Antropomórfica. A palavra é antropomórfica, e é da sua própria língua. Significa com uma forma parecida com a sua, a dos seres humanos. Ou como a da minha espécie também.

  • Ah tá, acho que agora entendi. Sete por cento então… , – disse meio para si mesmo o rapaz abduzido – isso não é muito, não é? Tão pouco assim? Nos filmes os alienígenas sempre tem uma forma meio que igual a nossa, só que com a pele verde, anteninhas e estas coisas. Não é assim mesmo?

  • Não, a nossa não é a forma mais frequente de inteligência, embora também não seja das mais raras. Mas é incomum o suficiente para despertar o interesse quando alguma outra raça de mesma configuração física passa por seu mundo. E por isso muitas decidem levar amostras da humanidade para estudos posteriores, ou mesmo por simples curiosidade sem objetivo definido. Seria como se uma tripulação de algum navio de seu povo encontrasse em uma ilha distante uma raça de macacos falantes. Certamente eles levariam alguns com eles, para mostrar em casa. Só que ao invés disso, fazemos clones.

As implicações daquela analogia deixaram Jão incomodado, embora ele não pudesse explicar ou mesmo entender bem o porquê. Macacos falantes? Isso não parecia algo muito importante, no máximo uma coisa para apresentar em um circo ou no Domingão do Faustão. O que ele, ou a humanidade por falar nisso, tinha a ver com aquilo? Mas antes que pudesse perguntar mais alguma coisa o alienígena o introduziu em uma sala menor que a primeira, envolta em uma penumbra um tanto sinistra que fez retornar as apreensões do rapaz, e ordenou:

  • Dispa-se. E deite-se nesta plataforma. – E com suas palavras uma espécie de maca flutuante subiu diretamente do chão, aparentemente suportada apenas por mais um facho se luz.

  • Pra quê? – Perguntou Jão, novamente começando a se apavorar.

  • Apenas para facilitar a coleta das amostras. Não há nada com o que se assustar.

Ainda inseguro o rapaz começou a tirar sua roupa, devagar, preocupado em ficar nu na frente do estranho alienígena. Mas assim mesmo retirou a calça, a camisa, o tênis e as meias, ficando apenas de cuecas.

-Tire isso também. – Disse em sua mente a voz do outro, impaciente. Fique completamente despido e deite-se.

  • Não estou gostando disso. – Retrucou Jão. – Porque preciso ficar nu? Vocês nem são médicos nem nada. Ou são?

  • É claro que somos. – Mentiu descaradamente o alienígena. – Pode se despir e se deitar tranquilo, já lhe disse que não há o que temer.

  • Está bem, mas eu não estou gostando nada disso – Disse o azulejista, retirando sua última peça de roupa e deitando-se na plataforma que lhe pareceu muito dura mas estranhamente aquecida de forma a não ficar demasiadamente desconfortável. E assim que ele fez isso uma forte luz se acendeu no teto, cobrindo-o com um feixe, e ele não conseguiu mais mover nenhum músculo abaixo do pescoço. Ao mesmo tempo mais três ou quatro alienígenas entraram por portas antes não percebidas nas paredes da sala, portando estranhos instrumentos metálicos de aspecto assustador e com diversas pontas e lâminas.

  • Mas o que é tudo isso? – Desesperou-se mais uma vez o rapaz – O que são estas coisas, você me disse que nada iria me acontecer! Me solte!

  • Eu não menti, você está seguro. Estas coisas são somente instrumentos para a coleta de amostras. Seu corpo foi paralisado apenas para evitar maiores desconfortos. Permaneça calmo.

  • Como assim ficar calmo? Estas coisas não são para deixar ninguém calmo! Que é isso afinal, o que vão fazer comigo?

  • Já disse, são apenas instrumentos de coleta, condutos transcutâneos, punções oculares e uma sonda anal. Nada com o que se preocupar.

Jão não entendeu quase nada do que disse o alienígena pintalgado, só o nome do último instrumento citado por ele:

  • Sonda anal? Que história é essa de sonda anal? Você só pode estar brincando, o que afinal vão fazer com isso? Não dá para fazer um clone só com uma amostra de cabelo ou coisa assim? – E tentando contemporizar acrescentou: – Tá legal, tá legal, pode tirar o meu sangue, eu aguento, mas pára com esta história de sonda anal, pelo amor de Deus! Bota isso pra lá!

Pela primeira vez a boca do alienígena amarelo pintado de negro mostrou um ligeiro movimento, como se esboçando um sorriso irônico. E de forma deliberadamente calma e didática ele disse:

  • Seu DNA apenas não é o suficiente para a confecção de um clone. O organismo humano contém uma série de endobiontes, que são fundamentais para o funcionamento do seu metabolismo, e precisaremos de amostras deles também.

  • Endo-o-quê? Do que você está falando?

  • Endobiontes. São criaturas que vivem dentro de você. Bactérias, fungos e mesmos animais mais complexos. Alguns podem ser parasitas prejudiciais, mas outros são fundamentais para auxiliar os processos metabólicos de todos os organismos do seu planeta. Há leveduras do trato intestinal, bactérias das vias respiratórias, arqueias em seu fluído ocular e até mesmo vírus bacteriófagos vivendo no seu sangue e complementando seu sistema imunológico, algo que seus próprios cientistas ainda desconhecem. Precisamos de amostras de cada uma destas comunidades de micro-organismos, e para isso servem estes diversos instrumentos, inclusive a sonda anal. A flora intestinal é uma das mais importantes e complexas comunidades de endobiontes existentes em seu corpo.

Ouvindo aquilo Jão percebeu o que aconteceria com ele em seguida, e fitando arregalado um ameaçador instrumento cilíndrico de ponta arredondada na mão de um dos alienígenas ainda conseguiu emitir um último grito desesperado antes de ter seus sentidos desligados pelos impulsos hipnóticos concentrados lançados sobre ele: – Nãããão… !

E assim que o rapaz parou de gemer os alienígenas se apressaram em recolher as amostras de que necessitavam. Mas fizeram isso com muito cuidado, de forma a minimizar a chance de contaminar alguma delas e perder os micro-organismos que estavam obtendo, pois se isso acontecesse teriam que retornar àquele mundo e retirar novas amostras do corpo do pobre Jão.

* * *

O sol já estava quase surgindo no horizonte quando ele despertou. Sua roupa estava estranhamente desalinhada, e a camisa para fora da calça. E, devido ao bloqueio hipnótico que recebera, por mais que tentasse se concentrar ele não conseguia lembrar-se de muita coisa do final da noite anterior. Só de estar voltando sozinho do baile na cidade vizinha, de ter parado para se aliviar e de que a árvore começara a brilhar, ou fora o seu carro, ou alguma outra coisa estava brilhando, muito mesmo. E então ele acordara ali largado no acostamento, e seu carro ainda estava ligado. Sua carteira estava intacta em seu bolso, e Jão concluiu que não havia sido nenhum assalto. Talvez ele tivesse apenas bebido demais naquela noite mesmo.

Caminhando meio trôpego até o Tempra de faróis acesos ele sentia seu corpo doer de forma difusa em lugares estranhos, como no umbigo e no olho direito. E ao se sentar no banco do motorista sentiu também um certo desconforto em outra parte mais recôndita de sua anatomia.  Assustado, ele fechou a porta do carro e saiu o mais depressa que podia dali, mas foi se acalmando durante a viagem para casa e já nem pensava mais naquilo ao estacionar na garagem. Seus pais não estranharam o horário de sua chegada, pois não era incomum ele sair do baile acompanhado e demorar até mais para aparecer no dia seguinte. Além disso, era domingo e ele não precisava acordar cedo nem se preocupar em ir trabalhar. Assim sendo Jão apenas tomou um banho, acompanhou os velhos no café da manhã e foi se deitar, para compensar o desgaste daquela noite agitada.

E ele nunca mais pensou nos eventos que se sucederam na estrada. Apenas esporadicamente, quando seu subconsciente aflorava durante a noite transformando seus sonhos em pesadelos, é que Jão se lembrava dos alienígenas de pele amarela pintalgada de preto, e de seus brilhantes e ameaçadores instrumentos metálicos.

– Leandro G. Card

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